
Na noite desta sexta, estará no banco da Seleção que ensinou o mundo a jogar um homem com a vontade de reconduzir a Canarinha a um futebol esquecido. Pela primeira vez Fernando Diniz ocupa o lugar em que já estiveram Vicente Feola, Aymoré Moreira, Zagallo e Telê Santana, de quem já declarou publicamente ser fã. Em entrevista lá pelos idos de 2020, numa época em que nem sonhava trilhar os passos do mestre, Diniz questionou o imediatismo dos resultados no futebol. Destacou ser fã da Seleção de 1982. Aquela de futebol mágico, mas trágico.
Quando se trata de campo e bola, o brasileiro é irredutível. Bom é o que vence. Uma soberba erguida em cima de um alicerce de frustração ancestral, uma vaidade pós-viralatismo, para não deixar de referenciar Nelson (cânone no assunto Seleção). Mais do que o peso das estrelas na camisa, marcante foi a forma como cada uma delas foi conquistada. O nível de exigência do brasileiro com nossa seleção é proporcional ao que ela representa: sermos os melhores do mundo na melhor metáfora da vida.
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A declaração antiga do agora treinador da Seleção foi uma confissão de coragem e convicção. Se inspirar no fracasso é um ato dos que enxergam o óbvio para além do óbvio. Enquanto o normal é cravar que a Tragédia de Sarriá carimbou aquele time como mais um que morreu na praia, o “Telêzismo” fez um menino lá em Patos de Minas primeiro sofrer, para depois, crescido, ensinar o futebol como um campo de disputa de ideias.
Ironia ou não, a carreira de Fernando Diniz percorre um caminho parecido com a de Telê. Para cada partida em que seu modelo de futebol funciona, duas manchetes resultadistas alardeando fracasso na crônica esportiva inclemente e quatro memes rodando a “boleirosfera”. A conquista do Carioca deste ano e a boa fase que vive com o Fluminense na Libertadores aliviaram um pouco a pressão da lógica binária, mas a desconfiança persiste. Naturalmente. Ainda falta sustância a Diniz, a mesma que Telê conquistou quase 10 anos após o fatídico dia do carrasco Rossi.
A verdade é que o resultadismo não deixará de ser sombra para o novo treinador da “selessa”, ainda intitulado de interino. Mas quem não recua no seu pensar mesmo diante das derrotas, da contrariação do modelo e das alfinetadas, ora estocadas, da descrença de ousar vencer diferente, tem as ferramentas necessárias para driblar as próprias sombras.
Que o novo comandante não esqueça a missão. O V de vitória é importante, é um prato de cuscuz caprichado que segura a gente em pé se mais nada tiver, é a parte material da jornada. Entretanto, só a obstinação de transformar ideia em realidade e prová-la eficaz, a prática de um utopismo irremediável, faz a gente abrir os olhos. Os nossos próprios e os alheios, dia após dia. Parir uma ideia exige uma pulsão de fazer tremer a terra e estremecer os conformados.
E o “Dinizismo” já é cria. Nasceu, arrebatou entusiastas pelo mundo e se tornou objeto de estudo dos estudiosos da bola. Não somente despertando interesse, mas apresentando uma alternativa plausível. Num mundo pasteurizado onde tudo é uma cópia da cópia e a proposta padrão de futebol é a posse de bola tediosa e a estruturação das equipes de forma cartesiana, como uma camisa de força, o futebol funcional de Fernando Diniz é um manifesto da subjetividade a serviço do trabalho coletivo.
A terceira estrela dos hermanos foi um sinal mandado, entendeu quem quis. Se a Europa é dona da bola, a gente é dono da terra. Quando foi que nós, a nossa gente, que escreveu samba com os pés por tantas vezes para o mundo ver passou a acreditar que o modelo da nossa digital cultural genuína precisava ser mimetizada dos europeus? Não digo que não funciona, o domínio colonial nas trincheiras de grama é flagrante, mas isso não significa necessariamente que o que é bom para eles, é bom para nós.
O primeiro passo do Dinizismo nesta oportunidade de ouro é fazer o que Telê fez em 1982, que é parecido com o que João Saldanha e Zagallo fizeram em 1970 com a chave de glória: reconduzir o Brasil em sua skin pátria de chuteiras de volta à essência. Ninguém dribla, arredonda a pelota e ginga sem música como nós. Urgia uma ideia que potencializasse nossa potência e mostrasse uma possibilidade autêntica sob os pilares do improviso, da criatividade e da liberdade.
A trajetória de Fernando Diniz na Seleção que se inicia nesta sexta-feira no Mangueirão, em Belém, abrindo as eliminatórias para 2026, pode soar num futuro como reparação histórica. Aliás, tem um tanto de acerto de contas com o destino, em que o pupilo honra a obra do mestre na luta para terminar o que ficou inacabado. O resultado vai ser importante como chancela, mas a coragem do compromisso com a essência e com a memória valem mais. Às vezes, na vida e na bola, vencer não diz tudo. A mensagem só fica completa se inspirar, eternizar uma ideia, deixar um legado e brilhar feito um Fio de Esperança.
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