
Foto: Site Oficial do Athletico Paranaense
Anderson Lopes falou com exclusividade com o Click Esportivo
Criado na comunidade do Coque, no bairro da Ilha de Joana Bezerra, no Recife, o atacante Anderson Lopes superou os desafios e se consolidou no futebol. Aos 30 anos, é ídolo do futebol japonês, onde já conquistou títulos e quer mais.
Atuando no Yokohama Marinos, do Japão, o atacante pernambucano aponta o ‘culpado’ pelo sucesso no futebol: o também centroavante Walter, que cresceu com Anderson Lopes na comunidade do Coque e fez a ponte para o garoto sair da periferia e brilhar no esporte.
Ao Click Esportivo, Anderson Lopes relembrou a parceria com Walter, com quem jogou no Athletico Paranaense, falou sobre a carreira no Japão, o encontro com Haaland em amistoso diante do Manchester City e, claro, o sonho de atuar no Sport.
Aos 30 anos, Anderson Lopes, que não esconde ser torcedor do Sport, diz não ter planos de voltar para o Brasil de imediato, mas mantém vivo o sonho de atuar no Rubro-negro.

Abaixo, confira entrevista completa com Anderson Lopes:
Como é o Anderson Lopes vivendo no Japão?
Já estou aqui faz um tempo, há oito anos. Estou feliz e realizado. No Japão eu conquistei tudo. Um país que sou extremamente grato, me adaptei de forma rápida e vivo tranquilamente. Já recebi algumas propostas para sair daqui, inclusive saí para Coreia do Sul, onde me arrependi, achava que era tudo a mesma coisa, mas não era, principalmente o futebol, e para China também, onde é mais focado no dinheiro. Lá o futebol não existe.
Minha rotina aqui é de muito treino. Para jogar aqui tem que estar muito bem preparado fisicamente. Treino três vezes por dia. No dia de folga também é tranquilo, viajo com a minha família.
O que diferencia o futebol japonês do futebol brasileiro?
No Japão é diferente, é um conjunto. É uma tranquilidade para família, para você, uma estabilidade financeira, onde não se preocupa com bônus e salário Aqui é totalmente diferente do futebol brasileiro. Perdi recentemente uma semifinal, estou aqui com o sangue fervendo, mas a torcida apoiou, pedindo para focar na liga.
Então não tem pressão. A pressão é nossa. Joguei em três clubes daqui. Hoje, no Yokohama, tem a obrigação do título, camisa pesada. Vou brigar por tudo aqui. Estou feliz aqui. Jogo com Elber, Yan Matheus e o Eduardo, zagueiro (todos brasileiros). Aqui todo mundo se ajuda, todo mundo querendo ser campeão. O ambiente aqui é tranquilo.
O idioma japonês é mais tranquilo do que o chinês e coreano. Consigo viver de boa. Minha mãe está por aqui, com tranquilidade, tem mercado brasileiro. É pura tranquilidade.
Pensa em voltar para o Brasil? Ou é algo mais para frente?
Hoje não penso tanto em voltar a jogar no Brasil. Estou muito feliz e tenho mais um ano de contrato aqui. Sempre deixei claro em minhas entrevistas que tenho um sonho de jogar no Sport, meu clube de coração e onde iniciei, mas hoje estou feliz aqui no Japão. Saí duas vezes, senti saudades e voltei. E, no momento, quero ficar aqui.
Iniciei no Sport, sim. Meus empresários chegaram a fazer uma consulta (no Sport, em 2018), mas não houve proposta em nenhum momento. Eu acabei optando por voltar para a Ásia. Queria continuar no Hiroshima (do Japão), mas acabei indo para o Seul, da Coreia. Deixei esse sonho mais para frente.
O que significa o Walter na carreira do Anderson Lopes?
Joguei e cresci junto com Walter. Costumo dizer que o Walter foi meu pai no futebol, o pai que eu não tive na minha infância e adolescência. Aquele cara que eu escutava, que me ensinava as coisas, que tentou me botar no eixo. Tive mais conselhos do Walter na infância e adolescência do que do meu próprio pai.
E realizei um sonho de jogar com ele em 2016 no Athletico. Ele me ligou e disse que jogaríamos juntos e que a favela tinha vencido. Fiquei muito feliz. Podemos compartilhar vestiários juntos, conversar no dia a dia e relembrar os momentos bons. Infelizmente não tivemos tantas oportunidades juntos, mas o pouco que jogamos dentro de campo tentamos nos ajudar.
O Walter é sensacional. Primeiramente Deus, e segundo Walter. Ele acreditou em mim, falou que ia me tirar do Coque e me levou para Porto Alegre para mudar minha vida. Devo muito a ele. Ele é sensacional.
A gente mora na mesma rua quase. O nosso ciclo de amizades é quase o mesmo. Ele é quatro anos mais velho que eu, mas a gente sempre cresceu junto. Eu com 11, 12 anos jogava com eles. O Walter foi o primeiro a sair dali, deu certo e viu que eu daria certo e disse: ‘Vou levar esse menino para lá’.

E como foi a infância do Anderson Lopes no Coque, ao lado de Walter?
Minha família mora toda lá no Coque. Minha mãe não quis sair de lá de jeito nenhum. Minha infância foi das melhores, joguei muita bola. Tive uma infância complicada, mas não cheguei a passar fome. Minha mãe sempre se dedicou para dar tudo do melhor para mim e para minha irmã. Tive uma infância feliz. Com dificuldades, mas feliz.
Com 13, 14 anos já fui para o São José-RS. Um certo dia tinha final de campeonato de várzea para jogar, onde fiz um gol. E o Walter já tinha me dito: ‘Olha, se prepara que você já já está indo’. E eu tinha uma proposta do Cruzeiro e o Sport querendo assinar contrato, mas segurei e decidi ir com o Walter para o São José, onde ganhei experiência, e depois chegar no Internacional mais maduro.
O sonho de o Anderson Lopes jogar no Sport vem de ‘berço’?
No momento em que Walter decide não ir pro Sport, ele revelou que não era o momento. E também o Athletico comprou ele do Porto, ele não tinha o que fazer. Futebol é complicado, a gente sabe que quem sofre é nossa família. Entendo o lado dele. Como era o sonho dele vestir a camisa do Sport, hoje também é o meu. Mas se eu chegar e falar para os meus pais que quero jogar no Sport, eles não vão querer. Eles têm um receio por conta do que o futebol brasileiro se tornou.
Mas é um sonho de criança. Meu finado avô me levava para a Ilha do Retiro e falava: ‘Um dia você vai estar ali dentro de campo e gritar um gol seu’. Então é um sonho de criança que eu creio que um dia vou realizar. Sou torcedor do Sport, sempre acompanho. É difícil assistir aos jogos, mas a gente está sempre acompanhando. Já disse ao Eduardo, que jogou no Athletico comigo: ‘Vamos subir o Leão, hein’.
E esse encontro com Haaland, com direito a gol no Manchester City. Qual foi o sentimento na carreira do Anderson Lopes?
Foi um momento único na carreira. Tenho mais de 20 gols no ano, mas o gol contra o City rendeu mais do que todos. É impressionante. Estava motivado para fazer gol e ganhar o jogo, porque se a gente ganha o mundo todo ia falar disso. Mas rapidinho os caras empataram o jogo. Os caras apelam, estavam há três dias sem treinar e pareciam que estavam em fim de temporada.
No fim do jogo o Guardiola chegou para mim e foi falar em português comigo e Eduardo, dizendo que a gente deu trabalho. Falei com o Ederson também, um cara sensacional. Falei com o Haaland, pedi a camisa dele, mas ele pediu desculpas e disse que tinha prometido para outra pessoa. Ele também brincou comigo na hora do gol, falando que tinha feito a comemoração. Aí desejou boa sorte.
Além dos campeonatos nacionais, você também está disputando a Champions League Asiática. Como está sendo a experiência, sobretudo com os clubes árabes mais reforçados?
É um campeonato à parte. É um campeonato que a gente quer. Temos que buscar primeiro a classificação, já que o mata-mata é só no ano que vem. Hoje, a Premier League está na Arábia, como dizem. Recebi uma sondagem do Al Taawon, do Péricles Chamusca, mas não estava muito convicto de querer sair do Japão.
Hoje, após 20 anos de carreira, qual o sentimento que passa na cabeça do Anderson Lopes?
Passa um filme na cabeça quando a gente lembra de como começou. O sentimento é de realização. Sou um menino sonhador, tenho até essa frase tatuada nas costas. Sempre falo que meu título foi dar uma casa própria para minha mãe. Quando eu saí disse que só voltaria em época de festas, mas que daria a casa própria para ela. Esse foi meu maior prêmio: tirar o aluguel da minha mãe.
Comprei duas casas para ela, o primeiro foi apartamento em Boa Viagem. Mas ela disse que não queria sair do Coque, então tive que comprar uma casa lá perto da minha Vó, que já está com 90 anos. Aí comprei uma casa do lado, reformei e ela está lá. Todos os anos quando estou de férias sempre vou no Coque, em dezembro estou aí. São 20 anos de carreira, me sinto realizado. Mas continuo sonhando, quero ganhar o máximo de títulos e entrar na história do Yokohama Marinos, o clube que defendo hoje.
