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Clube sergipano conta com modalidade de forma inédita
Depois de 87 anos, o Confiança, pela primeira vez, tem um time feminino para chamar de seu. O projeto Meninas do Dragão, anunciado há uma semana, saiu do papel após cinco longos meses de discussão. Apesar das ressalvas, sobretudo por uma questão financeira, o clube entendeu que era preciso um pontapé inicial para se inserir na modalidade – a nível local, regional e, a longo prazo, nacional.
O que pouco se sabe é que a virada de chave para que o Dragão pudesse contar com uma equipe de mulheres se deu após a mudança de gestão. Com a chegada de novas lideranças, eleitas no pleito realizado ao fim de 2022, o nome de Danielle Ferreira – uma das três primeiras conselheiras da história do clube – foi alçado ao posto de vice-presidente do Conselho de Administração.
Antes de tudo torcedora do Azulino, a advogada encontrou no novo cargo a possibilidade de tornar o time de coração mais plural. E por que não começar quitando uma dívida antiga? Em entrevista exclusiva ao Click Esportivo, Danielle detalhou os bastidores da criação da equipe de mulheres e projetou próximos passos.

Abaixo, confira entrevista completa da VP do Conselho de Administração do Confiança:
Click Esportivo: Onde se inicia a sua relação com o Confiança?
Sou torcedora do Confiança desde criança. Desde os meus 10 anos, por aí. Estou colocando 10, mas é possível que seja até um pouco menos. Então, sempre tive essa vivência junto à torcida. Faço parte de diversos grupos, até já auxiliei juridicamente uma das nossas torcidas organizadas do clube, a Trovão Azul. Essa relação é antiga.
Click Esportivo: Sempre existiu a vontade de ocupar um espaço dentro do clube?
O anseio de participar dos quadros institucionais só começou em 2019. Ali, estive da primeira eleição, onde concorri a uma vaga para o Conselho de Administração do Confiança. Na ocasião, mesmo sendo a segunda mais votada, não pude assumir. A gestão da época não respeitou o estatuto. A história é longa, mas a verdade é que fui impedida.
Só pude, de fato, estar dentro do clube, depois de 2022. Tivemos uma nova eleição. Mais uma vez, coloquei meu nome à disposição. Dessa vez, a gente veio em uma conjuntura política institucional de uma maneira diferente. Já era uma outra gestão. Enfim, o estatuto foi respeitado. E eu acabei assumindo a vaga. Dentro de um universo de 67 conselheiros, que atualmente é o que nós temos, pela primeira vez na história do clube, três mulheres foram eleitas para o Conselho.
Click Esportivo: Qual a relevância desse espaço conquistado no Confiança?
A gente sempre teve essa receptividade em vários grupos do Confiança. O apoio. Estar ocupando esse espaço na mesa diretora do Conselho é algo muito importante, porque nunca tivemos essa oportunidade no clube. A gente percebe agora, com a minha chegada e das duas outras conselheiras, uma mudança de visão dentro da estrutura administrativa do clube. Tem sido muito positivo.
Me perguntam muito sobre a questão do machismo. Claro, estar em um espaço que é majoritariamente masculino implica em algumas situações. Um eventual tipo de conduta ou comportamento. Mas posso te dizer que a gente tem conseguido fazer um trabalho. Com muito respeito.
A gente sabe que é uma novidade para muitos que estão lá. Percebemos que, as vezes, assusta. São conselheiros de longa data, de 30 a 40 anos. Mas a gente consegue, na base do diálogo, conversar e propor. Assim tem sido a experiência positiva…Na medida do possível, a gente quer que mais mulheres cheguem nesses espaços de gestão do clube.
Click Esportivo: Você sempre pautou a criação do time feminino do Confiança?
Foi um pleito que eu lancei lá e que foi debatido ao longo de cinco meses. E a ideia teve a adesão, teve apoio. A gente sabe que as dificuldades existem em fazer futebol. Não é fácil. Principalmente, aqui no estado de Sergipe, no Nordeste como um todo. Mas é essa presença das mulheres nos espaços de gestão lá do Confiança que tem sido positiva.
A gente tem um clube que tem uma história com mulheres. Dona Finha, por exemplo, é uma das nossas torcedoras-símbolo. Ela tem grande importância na nossa história. Nós temos um plano de sócio torcedor exclusivo para mulheres que carrega o nome dela. Porque o nosso clube nasceu no chão de uma fábrica. Essa é a verdade. Um clube que foi formado por operários. Dona Finha era uma operária da fábrica. Assim que se aposentou, foi para o clube e trabalhou, se dedicou. Ela tem uma história muito bonita.
Click Esportivo: O Confiança esteve na Série B recentemente, com mais visibilidade e, consequentemente, verba. Desta vez, o que foi determinante para o projeto do time feminino sair do papel?
O acesso de 2019 foi justamente nas mãos da gestão que barrou a minha entrada naquele ano. Então, se era impensável ter uma mulher conselheira, você imagina acreditar num projeto de futebol feminino. Infelizmente, o pensamento vigente à época na gestão do clube era esse. Não somente com relação ao projeto mas também quanto à participação feminina na vida administrativa do clube. Isso marca, né?
Agora, estamos aqui. Começamos em janeiro de 2003. Nós assumimos por um triênio. Um dos pontos que sempre debati nas reuniões do Conselho, e também com a diretoria executiva, é que a gente não precisa esperar a obrigatoriedade. Acho inconcebível a gente ter que esperar. A gente já pode começar a estruturar esse projeto agora.
Imagine, como mulher, é uma pauta que eu tenho a obrigação de carregar. Se eu estou lá. Assim como nós temos duas conselheiras, mas no meu caso ainda mais, enquanto vice-presidente do Conselho. Não tinha como deixar de fomentar essa pauta. Claro, surgiram reservas quanto ao tema, mas sempre com a justificativa das dificuldades financeiras. Não por conta de que era um projeto que a gente não tinha necessidade de abraçar.
Click Esportivo: Como tem acontecido nos primeiros passos do time?
Dentro do que a gente está planejando até agora, está tudo tranquilo. A seletiva foi um marco para o projeto dentro do Confiança. O pontapé inicial. Foram pré-selecionadas 35 atletas, que ao longo dessa semana vão passar por avaliações. A comissão técnica planeja a participação delas em um amistoso no domingo.
Acredito que no máximo até a próxima semana a gente já tenha o grupo fechado. Nesse primeiro momento, a captação das atletas tem essa urgência. Até porque o Sergipano está logo aí. Precisamos organizar os aspectos burocráticos. Inscrição, exames, fardamento.. tem toda essa logística que a gente precisa organizar.
Click Esportivo: Você está acompanhando o começo de tudo, desde a criação. Olhando para o futuro, ao fim do triênio, o que deseja ver de crescimento nas Meninas do Dragão?
A gente sempre espera que a nossa participação em um projeto seja sempre muito exitosa. Sabemos das dificuldades, até porque o clube, quando caiu da série B para Série C trouxe diversos problemas. Claro, não é algo é exclusivo do Confiança. Mas o cenário existe. Então, espero que essa gestão consiga ser feliz no que tentar e propor dentro do período.
A gente quer consolidar esse projeto. A gente sabe que futebol feminino, predominantemente no Brasil, ainda é muito amador. Estamos caminhando para uma profissionalização, é verdade, mas são etapas. O projeto precisa ser abraçado pela torcida, não somente pela gestão. Essa construção não parte somente da gente. Temos que estar alinhados com o torcedor, que é o nosso principal motivo de o Confiança existir.